A hipótese abaixo ilustra como valores humanos se interpolam para influenciar nas escolhas do consumidor. Esses mesmos valores desafiam a lei da oferta e demanda, sendo capazes de diferenciar produtos considerados “indiferenciáveis”.
Manuella foi às compras no Carrefour do bairro. Engajada com questões climáticas por um senso genuinamente humanitário, ela prioriza produtos capazes de comprovar sustentabilidade. Manuella não quer financiar o desmatamento ilegal, é contra a exploração de pessoas e animais, e deseja contribuir para reduzir o aquecimento global. Dentro do supermercado, ela percebe que os alimentos sustentáveis podem custar o dobro dos tradicionais. Mesmo com recursos financeiros limitados, Manuella decide pagar pelos caros produtos sustentáveis. Tudo isso porque ela acredita genuinamente na utopia de um mundo melhor e quer contribuir para que ele se torne real.
A valorização das commodities é uma clara evidência da influência dos valores humanos no mercado, capaz de transformar as regras legais de atuação e políticas de comércio, além de promover ganhos de brand equity ou valor de marca. Entenda, em economia, commodity é o termo utilizado para denominar produtos básicos globais não industrializados. As matérias-primas são conhecidas como produtos incapazes de se diferenciar, independentemente de quem as produziu ou de sua origem. Seu preço é uniformemente determinado pela oferta e demanda internacional.
Para o pensamento industrial, a oferta e demanda são os principais moduladores de preço no mercado. A Lei da Oferta e Demanda foi citada pela primeira vez no século XVII pelo economista Adam Smith. Nela, o autor afirma que o número de produtos disponíveis em relação à quantidade de consumidores em busca dos mesmos determina suas variações de preço no mercado.
Em diversos setores da economia, principalmente naqueles ligados à produção territorial, a lei da oferta e demanda liderava como única moduladora de mercado possível. Entretanto, os novos valores do consumidor mudaram totalmente essa realidade!
Em todo o mundo, pessoas engajadas com questões ambientais e humanitárias cobram mais responsabilidade socioambiental dos produtos e marcas que consomem. Como resposta, o varejo endurece suas políticas comerciais, as marcas assumem compromissos públicos e legais, e a indústria exige dados de rastreabilidade do produtor.
Rastreabilidade é saber de onde vem cada grão, fruta, carne ou matéria-prima.
De maneira mais técnica, a rastreabilidade é um conjunto de informações capaz de confirmar as melhores práticas sustentáveis em todos os elos produtivos das matérias-primas. Imagine a rastreabilidade como um RG da produção. Significa acompanhar cada etapa da cadeia produtiva, desde a origem até o consumidor final. Isso pode ser feito por meio de etiquetas, QR Codes, blockchain e até inteligência artificial. Os principais objetivos são:
Garantir a qualidade e segurança do alimento;
Atender exigências de exportação;
Evitar fraudes, como venda de produtos adulterados ou de origem ilegal;
Valorizar a marca/produto com valores sustentáveis.
Conformidade socioambiental é produzir sem destruir
Se a rastreabilidade responde “de onde veio?”, a conformidade socioambiental responde “foi produzido da maneira certa?”. Estar em conformidade é produzir com respeito ao meio ambiente e comunidades em torno das operações do negócio. É produzir mais sem desmatar ou invadir áreas de proteção ou territórios indígenas. Conformidade é um estado e não uma condição, por isso é importante monitorar.
Preservação ambiental (desmatamento ilegal zero, uso racional da água e solo);
Respeito às leis trabalhistas (nada de trabalho análogo à escravidão ou infantil);
Manejo sustentável (rotação de culturas e integração lavoura-pecuária-floresta – ILPF).
Pra quem exporta, atender essas normas é obrigatório. A União Europeia, por exemplo, aprovou leis que barram a importação de produtos ligados ao desmatamento. No Brasil, a rastreabilidade é obrigatória pra algumas culturas (como frutas e hortaliças) desde a Instrução Normativa Conjunta MAPA/ANVISA nº 02/2018.
O posicionamento socioambiental das marcas nunca foi altruísta. Elas entendem que o consumidor sustentável é exigente e, em compensação, está disposto a pagar mais pelos produtos que consome. Entenda:
Marcas de vestuário estão dispostas a pagar mais por tecidos rastreados. Elas sabem que a sustentabilidade está na moda, e os novos valores sustentáveis são tendências que impulsionam o valor percebido de seus produtos.
Os varejistas de alimentos e cosméticos estão dispostos a pagar mais por produtos rastreados. Eles temem amargar crises reputacionais, pois entendem que não há beleza em financiar crimes socioambientais.
As montadoras de automóveis e móveis de luxo estão dispostas a pagar mais por couro rastreado. Elas entendem que seus consumidores se movem para um futuro sustentável e querem decorar o seu lar com valores mais humanos.
Para ilustrar os ganhos deste cenário, imagine a seguinte hipótese: um curtume vende 1 milhão e duzentas mil peças de wet blue rastreadas. Se cada unidade fosse vendida três dólares mais caro, a conta representaria um faturamento superior total de US $3.600.000 (três milhões e seiscentos mil dólares), cerca de 19 milhões de reais.
Além dos benefícios comerciais, elas assumem um posicionamento sustentável para mitigar os riscos provenientes do incentivo direto ou indireto aos crimes socioambientais. São eles:
Sustentabilidade Agora É Contrato: Ou faz certo, ou perde o mercado
Até rimou, brincadeiras a parte entenda que ser sustentável não é mais uma escolha, é uma exigência contratual. Grandes empresas só compram de produtores que seguem as normas socioambientais. Isso significa que:
Se um produtor for flagrado usando terras ilegais ou práticas predatórias, ele pode ser banido de grandes mercados.
Contratos de fornecimento já incluem cláusulas verdes, exigindo certificações como RenovAgro, Selo Verde e CAR (Cadastro Ambiental Rural).
Exportadores precisam de comprovação total de origem. Sem isso, adeus Europa e Estados Unidos.
Estar inconforme as normas socioambientais significa que todas as relações comerciais com a marca infratora serão avaliadas como um risco reputacional e prejuízo.
Os danos legais são compartilhados por todos e em todas as esferas juríficas;
Isso significa que os prejuízos legais podem ser compartilhados do campo ao ponto de venda. É problema para quem produziu, quem industrializou, quem usou o produto como matéria-prima para criar outros, quem distribuiu, quem vendeu. Para piorar, os danos causados ao meio ambiente são regidos por uma tríplice responsabilização. Isso significa que, pessoas físicas e jurídicas, autoras ou cúmplices, poderão ser punidas de forma independente nas três esferas: administrativa, cível e penal.
Além disso, as multas impostas pela Lei dos Crimes Ambientais n. 9.605/98 podem chegar a cifras milionárias. Como exemplo, em 2017, nos estados da Bahia, Tocantins e Pará, o Ibama deflagrou a “Operação Carne Fria,” que resultou em embargos e autuações em 15 frigoríficos localizados nos três estados, onde foram aplicados R$ 264.000.000,00 (duzentos e sessenta e quatro milhões) em multas.
O mercado financeiro valoriza quem faz o certo!
Os grandes bancos estão cada vez mais rigorosos com o agro. Quer financiamento? Então tem que provar que está produzindo sem desmatar, sem explorar mão de obra e sem burlar leis ambientais. E quem joga limpo, ganha vantagens:
Juros menores e prazos maiores – O Banco do Brasil, BNDES e outros bancos públicos já oferecem linhas de crédito com taxas reduzidas pra quem investe em práticas sustentáveis.
Isenção de taxas – Produtores que seguem as diretrizes de ESG (ambiental, social e governança) podem ser isentos de algumas taxas bancárias.
Mais crédito disponível – Bancos privados e fundos de investimento liberam mais dinheiro pra quem prova que tem boas práticas ambientais.
A Federação Brasileira de Bancos, FEBRABAN, estabeleceu protocolo único para concessão de crédito socioambientalmente responsável, contando com o engajamento de bancos privados como Itaú, Bradesco e Santander. Além das medidas anunciadas pelas principais instituições financeiras estatais, como o Banco do Brasil, BNDES, Banco da Amazônia.
As medidas determinam que os Bancos realizem auditorias socioambientais antes de todas e quaisquer concessões de crédito e aporte financeiro para agroindústrias. Caso possua cláusulas de sustentabilidade, contratos vigentes de crédito podem ser rescindidos, obrigando a empresa tomadora a pagar instantaneamente todo o saldo devedor.
O mercado financeiro valoriza quem faz o certo!
Empresas sustentáveis atraem mais investidores. O mercado financeiro tem apostado forte em Green Bonds (títulos verdes), onde o dinheiro só vai pra projetos ambientalmente responsáveis. Quem faz certo, vê o valor do negócio disparar.
Fundos de investimento estão priorizando empresas comprometidas com ESG.
Ações de empresas sustentáveis sobem mais rápido e têm menos risco.
Governos e investidores internacionais estão barrando empresas com histórico de desmatamento ou violações ambientais.
O ESG é a abreviação das palavras Environmental, Social and Governance, que em português quer dizer Meio Ambiente, Social e Governança.
Os princípios avaliam os impactos das organizações no meio ambiente, na sociedade, bem como as práticas de gestão e políticas internas da organização. A integração e aplicação destes três critérios determinam os novos parâmetros na tomada de decisão dos investidores, bancos e seguradoras, sendo considerados KPIs (indicadores de resultado) da lucratividade, sustentabilidade e papel social das organizações. Vamos entender melhor cada um destes critérios?
Meio Ambiente: Analisa o impacto e a conduta das empresas em sua cadeia produtiva frente às questões ambientais como mudanças climáticas, escassez de recursos, tratamento e descarte de resíduos, desmatamento e emissão de poluentes.
Social: Analisa os impactos na atuação e relacionamento das empresas com seus stakeholders. O equilíbrio entre os interesses dos acionistas, clientes, fornecedores, colaboradores e comunidades em que esses negócios estejam inseridos. Avaliando aspectos estruturais, educacionais, culturais, geração de emprego, renda e oportunidades.
Governança: Analisa as práticas de gestão e políticas internas das organizações. Diz respeito às estratégias tributárias, remuneração de colaboradores, modelo de liderança da empresa, direito dos sócios e acionistas e ações anticorrupção.
Neste artigo, exploramos como os valores humanos podem moldar tendências globais de mercado e alterar significativamente a forma como as pessoas consomem e se relacionam com as marcas. Quer saber mais sobre como ser empático e usar valores humanos para criar marcas mais fortes e lucrativas?
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